Eternos traficantes. A primeira Lei Seca brasileira
O Brasil iniciou sua vida econômica com o tráfico de madeira. Traficavam a matéria-prima para fazer tinta vermelha. Era essa a função primordial do pau-brasil, a madeira que deu nome ao país. Os lusitanos acreditavam que estas terras eram deles. O resto do mundo discordava. Mas havia um “detalhe” decisivo: como um reino miúdo como Portugal controlaria o comércio no enorme litoral brasileiro? A resposta é simples: fingia que controlava. A esse comércio dá-se o nome de “tráfico”. Este é um país criado por traficantes. Franceses, holandeses, espanhóis, ingleses e portugueses dissidentes aprenderam a negociar com os índios e compravam cargas de pau-brasil diretamente com eles, sem atender a qualquer ditame do reino de Portugal.
Em geral, esses europeus evitavam conflitos com os indígenas. Mantinham boas relações comerciais. Pau por ferro. Pau-brasil por machado, eram as trocas mais comuns. Essa árvore que chega a ter 12 metros de altura era cortada pelos índios em toras de aproximadamente 1,5 metro. Ficavam armazenadas em pequenos fortes, denominados de “feitorias”. Uma pequena choupana, cercada por paliçadas e guardada por dois ou três europeus por meses seguidos, até chegar o navio a que as toras estavam destinadas.
Por volta de 1532 o tráfico de pau-brasil começou a definhar. Começava a era da cana-de-açúcar (que não acabou até hoje). Até hoje somos o maior exportador de cana-de-açúcar do mundo. Com vendas anuais de US$ 6 bilhões, vendemos mais que a Tailândia e a Índia somados, respectivamente segundo e terceiros lugares.
Com o desenvolvimento dos engenhos, surgiu outro tráfico: o de aguardente. Começaram a levar cachaça para a África. Especialmente em Angola, trocavam cachava por seres humanos. A cachaça tornou-se tão importante que virou moeda dentro do Brasil. Os reizinhos portugueses editaram o decreto real de 1649, proibindo a fabricação de cachaça em solo brasileiro. Foi a primeira Lei Seca brasileira. Como em quase todas as decisões dos reizinhos, esse decreto foi solenemente ignorado.
Os vereadores do Rio de Janeiro levaram a sério a Lei Seca. Tentaram impor na marra a proibição de fabricar cachaça. Não há exceção, o que vai na marra, volta como bumerangue… no meio da testa! A população cercou os alambiques cariocas e deu início à pouco estudada Revolta da Cachaça. Foram longos 5 meses de quebra-pau. Tomaram a cidade. Conseguiram a revogação do decreto real. Mas, apesar das piadas, português não é burro. Tão logo perceberam que o povo voltava a sua vida comum, criaram um imposto especial para os produtores de cachaça. O tráfico de cachaça para a África atingiu seu apogeu. Os governantes posteriores aprenderam que é fácil ludibriar a população – basta extorquir com impostos.
Belos e bem vestidos. Essa a imagem que inventaram dos bandeirantes. Está nas estátuas paulistas, nos filmes, nas pinturas e nos livros. Nada mais falso. Os bandeirantes andavam descalços e falavam o tupi, nem a língua portuguesa adotavam. Eram netos, filhos e maridos de índias. Quando o tráfico de cachaça definhou em São Paulo, criaram um outro tráfico: o de humanos. Começaram a aprisionar indígenas.