Os Rituais da Cachaça 1: de onde vem o costume de dar uma “pro santo”?

O ar de sobriedade que adotam os apreciadores da cachaça, antes do primeiro gole, parece até contraditório. Na dose inicial é obrigatório despejar um pouco da bebida no chão e anunciar: “uma pro santo”. Mas a contradição se desfaz quando se investiga a fundo a origem desse ritual tão brasileiro.

 

O ritual é conhecido: despeja-se o primeiro gole da bebida no chão e em seguida se diz  “uma cachaça pro santo”. Segundo a cultura popular, a cachaça é oferecida  para o santo em busca de proteção. Essa expressão e o ritual têm influência direta dos colonizadores portugueses e jesuítas. O costume de derramar bebida no chão, antes de beber, é uma prática muito mais antiga que o próprio Brasil.

Libação

O gesto nasceu de um ritual chamado “Libação”, que, segundo o jornalista Edson Borges, autor de uma vasta pesquisa sobre a relação entre a cachaça e as religiões, foi criado por gregos e romanos “e consistia em uma oferenda aos deuses para que eles provessem os lares de felicidade, harmonia e fartura”. Tais oferendas eram de vinho, azeite e leite.

No Brasil, a prática foi trazida pelos colonizadores portugueses e jesuítas, e foi incorporada durante o consumo de cachaça pelos escravos.

Com a imposição do consumo da bebida, os portugueses também impuseram São Benedito, filho de um escravo, como padroeiro dos escravos e, por tabela, da aguardente, fazendo nascer daí uma relação bem mais ampla dos negros com o São Benedito, a ponto de surgirem várias  irmandades na Bahia.

Cachaça como oferenda

A partir daí, a cachaça passou a ser usada, também, em oferendas nas religiões com matrizes africanas, como o Candomblé, com a mesma finalidade da Libação: um pedido de proteção aos orixás.

Falando dos cultos de raízes africanas, existe uma relação entre a cachaça e a figura do Orixá Onilé. Essa divindade representa a base de toda a vida, a Terra-Mãe, tanto na vida como na morte.

Onilé é o primeiro a receber as oferendas e a ser evocado nos ritos dos sacrifícios. Como forma de pedir libertação e proteção em troca de oferendas, derrama-se uma dose de cachaça na terra para agradar o  “santo”, que, na verdade, é o Orixá.

Rituais, crenças e mungangas

A relação entre cachaça e religiosidade gerou também outras diversas práticas e rituais relacionadas à bebida.

Tem gente que se benze antes de tomar a primeira, por que a cachaça também é chama de água benta. Da mesma forma há os que fazem caretas exageradas, isso pra espantar os maus espíritos.

Na Bahia, no interior de Goiás e de Minas é comum que se sopre ou se abane o copo da cachaça. Segundo dizem, é pra fazer sair o espírito do álcool. Isso é bem interessante por que os alquimistas, na idade média, destilavam o vinho e ao perceberem que o álcool gerado da destilação era inflamável, diziam que este era o espírito do vinho.

Existe o ritual de tomar a primeira dose de olhos abertos, para ver o rosto da mulher amada. Por outro lado, há também outro ritual muito interessante que é o de tomar a última dose de olhos fechados. Na região Norte é uma tradição se fazer isso, por que, segundo dizem, se você toma o último trago de olhos abertos, você pode ver o olho da morte no fundo do copo.

Terei a oportunidade de voltar a esse assunto, nos próximos posts sobre os rituais da cachaça.

Mas com ritual ou sem ritual, sempre beba com moderação. Beba Cachaça de qualidade, registrada e que não te faça mal no dia seguinte, assim o santo vai adorar, pois o ritual da ressaca, nem o diabo merece.

9 comentários em “Os Rituais da Cachaça 1: de onde vem o costume de dar uma “pro santo”?”

    1. Excelentes comentários de fundo histórico e cultural. Muito bom recuperar a relação da cachaça com o nosso passado afro-descendente. Qto tempo a cachaça foi renegada e referenciada à tradição marginal dos pobres, negros, vagabundos… acredito até que foi por isso mesmo que meu espírito rebelde me aproximou e me envolveu com essa delícia de bebida. Vou cada vez mais tomá-la, homenagear o santo e apreciá-la de olhos bem abertos e “sem moderação” que o tempo urge! Kkkkkkkkkkkkk

  1. Daniel Bonifácio Sobrinho

    Maurício você sabe muito do assunto cachaça.
    Parabéns, de hoje em diante só vou tomar a última lapada de olhos b fechados.

  2. Parabéns Maurício cada vez as matérias são mais interesante.
    Pergunta: 1.- o ritual uma Pro Santo acontece só com a cachaça? Ou tem também com outras bebidas?
    2.- Alguma vez já escutei Quando a reunião de amigos acostumasse deixar no copo o último trago Pra Jesús. Tem conhecimento disso?
    Um abraço desde o Paraguai

    1. Excelentes comentários de fundo histórico e cultural. Muito bom recuperar a relação da cachaça com o nosso passado afro-descendente. Qto tempo a cachaça foi renegada e referenciada à tradição marginal dos pobres, negros, vagabundos… acredito até que foi por isso mesmo que meu espírito rebelde me aproximou e me envolveu com essa delícia de bebida. Vou cada vez mais tomá-la, homenagear o santo e apreciá-la de olhos bem abertos e “sem moderação” que o tempo urge! Kkkkkkkkkkkkk

  3. Daniel Bonifácio Sobrinho

    Parabéns Maurício, vc entende tudo sobre esse néctar dos deuses a cachaça.
    De hoje em diante só vou tomar a última lapada de olhos bem fechados pois não pretendo ver o olho da morte nunca kkkk

  4. Claudenir Nascimento

    Excelente texto Maurício, a cada dia você mostra que cachaça não é uma bebida qualquer, cachaça também é cultura!
    Parabéns meu amigo!

Comentários encerrados.

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